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Irene Lisboa

40 Notas Biográficas

40 notas biográficas de Irene Lisboa

O número 40 assume grande importância na biografia de Irene Lisboa: regressa a Lisboa, após período de estudos no estrangeiro, com 40 anos; em 1940 é expulsa do sistema de ensino; é também nesta data que visita por longo período a terra da sua infância, fazendo recolha de material que utiliza em alguns dos seus textos; visita pela primeira vez, ainda em 1940, a Serra da Estrela, palco dos textos incluídos na obra Crónicas da Serra; e é na década de 40 que Irene Lisboa escreve e publica algumas das mais importantes obras da sua bibliografia em prosa literária/crónica.

 

1. Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu no dia de Natal, de 1892, no casal da Murzinheira, freguesia de Arranhó, concelho de Arruda dos Vinhos.

2. Este casal, bem como a Quinta de Monfalim, era propriedade da sua madrinha, D. Maria Guilhermina da Conceição Chaves.

3. Aí viveu com a sua mãe, Maria Joaquina (17 anos), e a irmã Rita, até aos três anos.

4. Depois, foi levada para Monfalim, com a sua irmã Rita, onde vivia a madrinha e o velho pai, Luís Emílio Vieira Lisboa (62 anos).

5. Aos seis anos entra num colégio interno, Convento do Sacramento, em Lisboa.

6. Da mãe, que se juntou com um trabalhador da Quinta de Monfalim, nunca mais se soube, apenas que deixou mais 4 filhos: Romana, Vitória, José Mateus e António.

7. No Colégio do Sacramento, esteve Irene até aos 11 anos, frequentando depois, até aos 13, o Colégio Inglês.

8. Em 1905, quando tinha 13 anos, o pai (já com 75 anos) junta-se com D. Maria da Saudade Ascensão Cavalheiro, com quem casou 7 anos mais tarde e de quem teve 6 filhos, o último dos quais quando o Dr. Lisboa tinha 83 anos.

9. Os dois anos seguinte foram dramáticos para Irene Lisboa. Foi tirada do colégio e enfiada em Monfalim, onde esteve ao abandono, tendo de suportar a maldade e inveja da madrasta e da mãe desta.

10. Aos 15 anos, vai viver com a madrinha para Lisboa e entra no Liceu Maria Pia onde conhece Ilda Moreira, de quem foi amiga o resto da vida.

11. Mais tarde, Irene Lisboa vai viver para casa de Ilda, depois de tudo ter desaparecido de sua casa, inclusivamente a madrinha que foi raptada pela madrasta e mãe desta.

12. Com 19 anos (1911),  ingressa na Escola Normal Primária de Lisboa, onde tira o curso de professora.

13. Aos 23 (1915), termina o curso da Escola Normal com 18 valores.

14. Passa a viver do seu ordenado e de uma pensão que lhe dá um primo do pai, o Conselheiro António Maria Vieira Lisboa.

15. Em 1920, com 28 anos, Irene e Ilda tomam posse de duas turmas de ensino infantil na Escola da Tapada na Ajuda.

16. Os alunos, muito pobres, têm entre 5 e 7 anos. Estas duas classes, pioneiras do ensino pré-primário público em Portugal, servem de modelo a um ensino moderno e inovador.

17. Entretanto, com 37 anos (1929), Irene Lisboa vai, como bolseira, para Genebra estudar psicologia e pedagogia.

18. Esteve ainda em Bruxelas e Paris, onde estudou metodologias pedagógicas.

19. Regressa a Lisboa em 1932, com 40 anos.

20. Em 1935, com 43 anos, vai morar para a zona das Janelas Verdes. É aqui que escreve parte de três das suas obras: Um dia e outro dia, Solidão e Esta cidade!

21. Em virtude de terem sido extintas as secções infantis, em 1936, com 44 anos, Irene concorre ao lugar de Inspetora para o Ensino Infantil, tendo ficado com o lugar de Inspetora-Orientadora em itinerância.

22. Por ter sido demasiado inovadora para as mentes pequenas de então, Irene Lisboa foi, primeiro, transferida para um lugar administrativo na Junta de Educação Nacional; depois, em 1940, com 48 anos, dão-lhe duas opções: ficar com um lugar como professora em Braga, ou reformar-se. Opta pela segunda situação, recusando o degredo e negando dobrar-se perante um sistema acéfalo, ou não fosse ela Irene Lisboa.

23. Em 1940 visita a terra onde havia passado só algum tempo, pouco, da sua infância e adolescência, ficando numa casa alugada em Monfalim.

24. É então que começa a escrever aquela que viria a ser uma das suas obras de referência: Voltar a trás para quê?

25. Nestas férias percorre todos os lugares, serras e festas e recolhe fragmentos utilizados depois em muitos dos seus livros.

26. Leia-se, por exemplo, Férias no campo, onde a autora nos apresenta um relato de lugares, pessoas e costumes muito próximo daquilo que um etnógrafo faria durante o seu trabalho de campo.

27. E é a este campo da sua infância, trazido pelo “vento da Murzinheira”, que ela regressa constantemente.

28. Este início dos anos 40 do século XX, já reformada sem ainda ter 50 anos, foi de grande produção literária.

29. É ainda nos anos 40 que visita a Serra da Estrela pela primeira vez, local bastante frequentado pela autora a partir daí.

30. Também os anos 50 são bastante produtivos a nível literário: Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma (1955); Voltar atrás para quê? (1956); O pouco e o muito – Crónica urbana (1956); Título qualquer serve (1958); Queres ouvir? Eu conto (1958); Crónicas da serra (1958).

31. Os anos 50 são ainda o prenúncio do fim desta escritora que foi considera por José Gomes Ferreira como “(...) a maior escritora de todos os tempos portugueses”.

32. Em 1950 Irene é operada, pela segunda vez, a um cancro no duodeno no Hospital de São José em Lisboa. Mas nunca deixa de escrever.

33. A serra, o campo, a cidade e tudo o que os envolve por dentro, tudo o que é quotidiano, insignificante, nada... é motivo e reflexão por parte de Irene Lisboa.

34. Irene Lisboa morre então numa quarta-feira, no dia 25 de novembro de 1958. No dia seguinte, um dos seus amigos escreve no seu diário:

 

Luto. 26 de novembro de 1958.

Enterro de Irene Lisboa. Cemitério da Ajuda. Poucos acompanhantes, mas todos imersos nessa profunda cerimónia religiosa do Silêncio, onde os ateus e os agnósticos tanto sentem o princípio do Tudo e do Nada. Nenhuma necessidade de provarmos que estávamos vivos, com palavras ou lágrimas.

Só o rasto do ruído dos pés na terra atrás do caixão. O pequeno e discreto choro da Terra...

José Gomes Ferreira,

Imitação dos dias: Diário inventado,

 Lisboa: Portugália Editora, 1970, p. 97.

 

35. Nos fins dos anos 80 e inícios dos anos 90, do séc. XX, Paula Morão começa a estudar a obra de Irene Lisboa. É tão iniciada a reedição da sua obra pela Editorial Presença, com prefácios de Paula Morão.

36. No dia 13 de janeiro de 2013, os restos mortais de Irene Lisboa são trasladados do Cemitério da Ajuda (Lisboa) para o Cemitério de Santo António (Arruda dos Vinhos), ficando assim cumprido um dos maiores desejos da sua afilhada Inês Gouveia.

37. Em 2014, a obra de Irene Lisboa passa a ser estudada por todos os alunos do Município de Arruda dos Vinhos, desde o pré-escolar ao ensino secundário (com protocolo assinado entre a Câmara, o AEJIA e o EJAF).

38. Em 2018, 60 anos depois da sua morte, a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos dá início à publicação de uma coleção de 6 livros para a infância com textos, alguns inéditos, de Irene Lisboa. Chamou a esta coleção Contarelos, afinal é o nome da sua primeira obra editada em 1926. Os textos da coleção foram selecionados, organizados e atualizados por Jorge da Cunha.

39. Em 2020, é publicado o último livro da Coleção Contarelos.

40. Em 2021, é publicada pela Associação ICreate uma antologia de textos pedagógicos, chamada de Escola do meu coração, com prefácio de Sampaio da Nóvoa. Os textos da antologia foram selecionados, organizados e atualizados por Jorge da Cunha, de quem é também a responsabilidade do texto introdutório.

 

            Em jeito de conclusão, diríamos que Irene Lisboa foi uma mulher que lutou pela liberdade de ser mulher em todas as dimensões: cultural, financeira e afetiva. Recusou as velhas conceções que confinavam a mulher à domesticidade da esfera privada. Esta emancipação levou, no entanto, à solidão e ao vazio por vezes doloroso, assumindo nas relações uma posição firme nem sempre compreendida pelos que com ela privavam pouco. O excerto seguinte é bem ilustrativo do que acabámos de dizer.

 

Como quase sempre que me encontro com a Maria da Graça, evocamos a nossa querida Irene Lisboa – não escondendo o que ela tinha de sombra para só pôr no prato da balança a luz restante...

- Era por vezes tirânica! – exclamou um de nós.

- Pois sim. Mas de uma maneira diferente da tirania vulgar. Sabes o que lhe disse uma vez cara a cara, o Pitum, filho do Chico Keil? Isto que a deslumbrou: "Ó Irene! Você é uma tirana esclarecida”.

 

José Gomes Ferreira,

Dias Comuns VII. Rasto Cinzento,

Ed. D. Quixote, 2015, pp. 52, 53

 Para mais informações sobre a autora consulte: https://sibilante.blogs.sapo.pt/


Agradecemos a especial colaboração do Professor Jorge da Cunha.




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